Há orações e orações. A Bíblia regista muitas mas, há algumas que permanecem até hoje como exemplos marcantes de homens e mulheres que souberam buscar a Deus. Uma dessas orações foi feita por um homem já avançado em idade, altamente capacitado mas quebrado no seu orgulho, conhecedor do fracasso mas também da misericórdia divina, e carregando o peso da responsabilidade de liderar um povo de centenas de milhares de ex-escravos. Falo, é claro, de Moisés.
A sua oração fica registada como uma das mais significativas da sua vida, aliás, de toda a Bíblia:
Então ele disse: Rogo-te que me mostres a tua glória.
Êxodo 33:18
Para podermos entender melhor a grandeza da oração de Moisés precisamos considerar o contexto em que ela surge. Para isso, devemos recuar cerca de oitenta anos. Moisés nasceu escravo no poderoso império egípcio numa altura em que isso significava uma sentença de morte imediata à nascença. Contra todas as circunstâncias Deus preservou-o e ele acabou adoptado pela filha de Faraó e educado como um príncipe do Egipto. Quando tinha 40 anos, não suportando mais a realidade de ver o seu próprio povo escravizado, matou um guarda egípcio que agredia brutalmente um escravo hebreu. Desse modo, deitou por terra o aparente futuro brilhante e tornou-se fugitivo no deserto.
Durante os 40 anos seguintes, Moisés casou, teve filhos, e tornou-se pastor dos rebanhos do seu sogro. Não era assim que imaginaríamos o seu futuro. Ele foi esquecido pelo seu próprio povo e pelos agora seus inimigos egípcios. Mas, não por Deus. Em todas as circunstâncias Deus trabalhava, até ao dia em que, numa sarça ardente Deus revela o Seu propósito para Moisés – ele seria o homem que tiraria os escravos hebreus do Egipto. Por intermédio deste homem quebrado pelos anos e pelos erros do passado, Deus trouxe a nação mais poderosa da terra à beira do abismo. Depois de dez pragas terríveis que se abateram sobre o Egipto destruindo a nação quer economicamente, socialmente e religiosamente, os escravos hebreus saem em liberdade. Um último teste esperava-os diante do Mar Vermelho onde Deus desferiu o golpe final a Faraó fazendo-o perder o seu exército nas águas revoltas. Quando o povo estava fraco Deus mostrou a Sua glória revelando-se Forte e Soberano.
Atravessado o Mar o povo entrou no deserto. Ao cabo de dias a comida e a água escassearam. O povo murmurou. Contra Moisés e contra Deus. “Trouxeste-nos do Egipto para morrermos no deserto?” Diante da angustiante necessidade do povo, Deus faz brotar água da penha, torna águas amargas em doces, encontra oásis no deserto e faz descer o maná no deserto todas as manhãs. Em Êxodo 16, Moisés diz que o maná e as codornizes eram uma manifestação da glória de Deus (vs. 7 e 8). O maná era a glória de Deus comestível. Na necessidade Deus revelou a Sua Glória sendo o Grande Provedor.
Ao fim de três meses de peregrinação pelo deserto o povo dava sinais de desgoverno (Ex.18). Os esforços de Moisés em ser um líder justo haviam-no esgotado. Foram escolhidos homens íntegros para ocupar lugares de liderança intermédia. Mas, o povo ainda precisava de direcção. Eles tinham provado a glória de Deus, mas Ele continuava a ser desconhecido para eles. Deus era o Senhor de Abraão, de Isaque e de Jacó. Era o Senhor de Moisés. Mas, o povo ainda não conhecia a Sua vontade.
Deus conduz o povo até ao Monte Sinai. Ordena a purificação. E, chama Moisés à montanha ardente. Ali, Deus fala com Moisés. A Lei e os Mandamentos são dados ao povo como regra de conduta para cumprir a vontade de Deus. Deus mostra-se Santo, apegado à Justiça e ordena que o seu povo seja santo, como Ele é Santo. Quando o povo estava desnorteado, Deus manifestou a Sua glória mostrando-se Santo e dando-lhes a Lei.
Depois de tantas manifestações da Sua glória por que é que Moisés ainda insiste com Deus: “Mostra-me a Tua glória”? Será que ele ainda tinha dúvidas? Não creio. Moisés clama a Deus porque eles se encontravam numa posição que não tinham conhecido antes. O povo tinha cometido um grave pecado. Mais grave do que duvidar de Moisés e de Deus. Mais grave do que murmurar e querer voltar para trás. O povo tinha ofendido a Santidade gloriosa de Deus.
Com a demora de Moisés no Sinai – ele esteve no monte 40 dias – o povo impacientou-se e pediu a Arão que lhes fizesse um deus (Ex.32:1). (Será que eles se aperceberam de como isso soa ridículo? Se temos o poder de fazer deuses isso não quer dizer que somos deuses ainda maiores? Porque, então, nos curvamos perante aqueles que são menores do que nós?) Arão fez como eles pediram e fundiu uma imagem de ouro, um bezerro, e o povo o adorou dizendo: “Este é teu deus, ó Israel, que te tirou da terra do Egito.” (Êx.32:4). Perante tal afronta, o Senhor resolve destruir todo o povo e poupar apenas a Moisés.
Moisés intercede em favor do povo mostrando grande reverência pela glória e o Nome do Senhor. Deus ouve-o e decide poupar o povo. Muitos israelitas morreram como castigo, mas, a nação foi poupada. Deus renova as promessas de os levar à Terra Prometida, de afastar de diante deles os inimigos e de abençoá-los com prosperidade. Tudo parecia sanado. Que mais poderia querer este povo rebelde? Mas, o povo chorou. Porquê? Porque Deus prometeu abençoá-los com tudo o que eles desejavam, mas, a Sua presença não iria com eles. O que Deus estava a dizer era que iria cumprir todas as promessas porque era fiel a Si mesmo, mas, que o povo estaria afastado da Sua comunhão. Quantos de nós choraríamos ao ouvir isto? Nós, que andamos tão ansiosos em busca das bençãos e tão prontamente esquecemos o Senhor que as dá.
O Senhor não poderia ir no meio deles senão todos seriam destruídos. O pecado deles não seria tolerado pela Santidade absoluta de Deus. Deus, o fogo consumidor, destruí-los-ia a todos. Moisés insiste pela presença do Senhor. O Senhor, por amor a Moisés, diz que irá com o povo. Moisés vai além e roga: “Mostra-me a tua glória!”. Ele queria uma prova concreta da presença de Deus. Mais do que o Poder. Mais do que a Provisão. Mais do que a Lei. E, o Senhor mostra-lhe toda a Sua bondade. Perante o pecado a mais majestosa manifestação da glória divina é a Misericórdia.
Eu farei passar toda a minha bondade por diante de ti, e proclamarei o nome do Senhor diante de ti; e terei misericórdia de quem eu tiver misericórdia, e me compadecerei de quem eu me compadecer.
Êxodo 33:19Passando, pois, o Senhor perante ele, clamou: O Senhor, o Senhor Deus, misericordioso e piedoso, tardio em irar-se e grande em beneficência e verdade;
Que guarda a beneficência em milhares; que perdoa a iniquidade, e a transgressão e o pecado; que ao culpado não tem por inocente; que visita a iniquidade dos pais sobre os filhos e sobre os filhos dos filhos até a terceira e quarta geração.
E Moisés apressou-se, e inclinou a cabeça à terra, adorou,
E disse: Senhor, se agora tenho achado graça aos teus olhos, vá agora o Senhor no meio de nós; porque este é povo de dura cerviz; porém perdoa a nossa iniquidade e o nosso pecado, e toma-nos por tua herança.
Êxodo 34:6-9
Fora do acampamento havia uma tenda chamada Tenda da Congregação. Aí, Moisés encontrava-se com Deus, e Deus lhe falava face a face como um ao seu amigo. A Tenda estava fora do acampamento. Deus não podia habitar no meio de um povo cheio de pecado. Mas, Deus ordenara a santificação, e no Sinai, deu instruções a Moisés a construção de uma nova tenda, o tabernáculo. Esta, ao contrário da outra, deveria estar no centro do acampamento. Deus manifestaria ali toda a Sua glória. Como era isto possível?
No tabernáculo havia uma sala, além dum espesso véu, onde ninguém poderia entrar. Era o Lugar Santo dos Santos. Lá dentro havia apenas um objecto – a Arca da Aliança. A Arca era uma caixa de madeira revestida a ouro. Lá dentro eram guardadas: a vara de Arão que floresceu, uma taça com o maná e as tábuas da Lei. Três símbolos. Três recordações das manifestações anteriores da glória de Deus. A tapar a arca uma tampa em ouro maciço. Sobre ela a figura de dois querubins – anjos magníficos geralmente conotados com a defesa da santidade de Deus. Era sobre esta tampa que Deus manifestava a Sua glória. Ela é chamada de Trono da Misericórdia, ou Propiciatório, em referência ao que ali se fazia. Uma vez por ano, o sumo-sacerdote entraria naquele lugar carregando nas mãos o sangue de um animal sobre o qual os pecados do povo haviam sido colocados. O sangue seria aspergido sobre o Trono da Misericórdia e Deus perdoaria o pecado do povo.
Deus mostrava misericórdia mas, “ao culpado não tinha por inocente”. O pecado era castigado sobre o animal sacrificado para que o povo experimentasse o perdão. Só assim Deus poderia habitar no meio do Seu povo.
Anos mais tarde, o apóstolo João diz-nos:
Meus filhinhos, estas coisas vos escrevo, para que não pequeis; e, se alguém pecar, temos um Advogado para com o Pai, Jesus Cristo, o justo.
E ele é a propiciação pelos nossos pecados, e não somente pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo. (1 João 2:1-2)Nisto está o amor, não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que ele nos amou a nós, e enviou seu Filho para propiciação pelos nossos pecados. (1 João 4:10)
O apóstolo Paulo confirma quando diz:
Porque todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus;
Sendo justificados gratuitamente pela sua graça, pela redenção que há em Cristo Jesus.
Ao qual Deus propôs para propiciação pela fé no seu sangue, para demonstrar a sua justiça pela remissão dos pecados dantes cometidos, sob a paciência de Deus;
Para demonstração da sua justiça neste tempo presente, para que ele seja justo e justificador daquele que tem fé em Jesus. (Romanos 3:23-26)
Hoje, vemos a mesma glória de Deus na face de Jesus Cristo. Ele que carregou a culpa dos nossos pecados, e derramou o Seu sangue como o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo.
A questão que sobra é: Será que eu desejo conhecer esta glória de Deus tanto como Moisés? As bençãos de Deus são melhores para mim do que Ele mesmo? Choro quando o pecado me afasta da Sua comunhão?
Se tu O buscares como Moisés provarás, como ele, a majestosa, santa e gloriosa Misericórdia e Graça de Deus.