Todos os ateus vão para o Céu. Bem, nem tanto assim. Todos os bons ateus vão para o Céu. Ou, melhor, todos os ateus bons vão para o Céu. Quem o diz é o Papa Francisco, na sua homília de quarta-feira, ao afirmar que Jesus Cristo morreu por todos os homens e por isso, desde que se faça o bem, todos nos encontraremos no fim (a notícia completa aqui, em Inglês). Um grupo de ateus já veio dispensar a benevolência do novo Papa em estender-lhes a eterna salvação, uma vez que, pior do que ir para o inferno, só mesmo passar a eternidade com um Deus em quem não se acredita (ver aqui, em Inglês).
O Papa Francisco queria enfatizar a importância de se fazer o bem como um princípio capaz de unir toda a Humanidade, como uma “cultura de encontro” capaz de promover a paz. Usando o texto de Marcos 9, o Papa explicou que “a raiz da possibilidade de fazer o bem – que todos nós temos – está na criação”.
E João lhe respondeu, dizendo: Mestre, vimos um que em teu nome expulsava demônios, o qual não nos segue; e nós lho proibimos, porque não nos segue. Jesus, porém, disse: Não lho proibais; porque ninguém há que faça milagre em meu nome e possa logo falar mal de mim. Porque quem não é contra nós, é por nós. (Marcos 9:38-40)
Os discípulos estavam a ser um pouco “intolerantes”, continuou o Papa, fechados na idéia de que possuíam a verdade, e convencidos de que “aqueles que não têm a verdade, não podem fazer o bem”. “Eles estavam errados… Jesus alarga o horizonte.”
O Papa Francisco disse mais:
“O Senhor criou-nos à Sua imagem e semelhança, e nós somos a imagem do Senhor, e Ele faz o bem e todos nós temos este mandamento no coração: fazer o bem e não fazer o mal. Todos nós. “Mas, Papa, ele não é católico! Ele não pode fazer o bem!” Sim, ele pode… “O Senhor redimiu-nos a todos, a todos, com o sangue de Cristo: todos nós, não apenas os católicos. Todos os Homens! “Papa, os ateus?” Mesmo os ateus. Toda a gente!”.. Devemos encontrar-nos uns aos outros ao fazer o bem. “Mas, eu não creio, Papa, sou um ateu!” Mas, faz o bem: encontrar-nos-emos aí.”
A voz conciliadora e promotora da paz e do bem do novo Papa Francisco tem sido grandemente aplaudida pela maioria. Os Líderes insistem na necessidade de construir pontes entre os diversos pensamentos humanistas e religiosos, por forma a promover a paz e acabar com os muitos conflitos que se espalham pelo globo com fundamentos primeiramente religiosos. Apelar às boas obras, ao cuidado dos pobres, à justiça social, parece ser o melhor caminho para o consenso e para a paz. No entanto, ao escolher este caminho, o Papa Francisco promove um “cristianismo” não-cristão. Uma fé, revestida de obras e desprovida de Cristo, do poder da Sua morte, ressurreição e Vida. Uma fé global, ecuménica e humanista, longe, muito longe, da fé salvífica das Escrituras.
Sobre as considerações do Papa Francisco quero fazer apenas duas reflexões.
1. Há bem e Bem.
Quando o Papa Francisco diz que “a raiz da possibilidade de fazer o bem – que todos nós temos – está na criação” ele está certo. Todo o Homem é capaz do bem. E isso, vem do modo como fomos criados – à imagem e semelhança de Deus. Todos amamos, perdoamos, distinguimos entre o bem e o mal, somos misericordiosos, bondosos, compassivos, altruístas. Uns mais do que outros, é verdade, mas todos nós somos capazes de fazer o bem. A Bíblia também atesta isso mesmo, através das palavras de Jesus, que diz:
E qual de entre vós é o homem que, pedindo-lhe pão o seu filho, lhe dará uma pedra? E, pedindo-lhe peixe, lhe dará uma serpente? Se vós, pois, sendo maus, sabeis dar boas coisas aos vossos filhos, quanto mais vosso Pai, que está nos céus, dará bens aos que lhe pedirem? (Mateus 7:9-11)
No entanto, há uma diferença fundamental entre fazer o bem e ser bom. Jesus enfatiza isso quando diz que nós fazemos coisas boas apesar de sermos maus (ver acima). As coisas boas que fazemos não nos tornam bons. A Escritura explicitamente afirma que “não há quem faça o bem, não há nem um só” (Rm.3:12)
Temos, portanto, um problema. Ou a Escritura se contradiz a si mesma, e à realidade, ou, há alguma coisa que não estamos a entender. É que há bem e Bem. O Bem de que Romanos 3 fala é a perfeita santidade e conformação à justiça de Deus, e nisso, todo o Homem falha e é “condenável diante de Deus” (Rm.3:19). Porque “todos pecaram” (Rm.3:23), “nenhuma carne será justificada diante dele pelas obras” (Rm.3.:20), uma vez que as nossas boas obras não mudam a nossa natureza pecaminosa. Como diz, a salvação não vem “das obras, para que ninguém se glorie”, mas, somos “justificados gratuitamente pela sua graça, pela redenção que há em Cristo Jesus.” (Rm.3:24) É “dom de Deus”, para que “ele seja justo justificador daquele que tem fé em Jesus” (Rm3:26). Pelo que, concluímos, que “o homem é justificado pela fé sem as obras.” (Rm.3:28)
Todos somos chamados a fazer o bem. Se o fizermos, estaremos mais próximos de uma sociedade justa, igualitária e fraterna. Não mais perto do Céu.
2. Não há Salvação sem Cristo.
“O Senhor redimiu-nos a todos, a todos, com o sangue de Cristo: todos nós, não apenas os católicos. Todos os Homens! “Papa, os ateus?” Mesmo os ateus. Toda a gente!” Com esta afirmação o Papa Francisco aproxima-se definitivamente da doutrina teológica ecuménica e universalista de que todas as almas acabarão por ser salvas e ninguém sofrerá os tormentos do inferno.
Esta visão é confortável para o Homem uma vez que o desresponsabiliza perante Deus. Afinal, independentemente das escolhas que tenha feito, Deus o receberá. Jesus, pelo contrário, sendo quem mais fala sobre o inferno em toda a Bíblia, alerta o Homem para os perigos da sua condição espiritual, exortando-nos a “temer antes aquele (Deus) que pode fazer perecer no inferno a alma e o corpo.” (Mt.10:28) A razão pela qual devemos temer a Deus e o Seu juízo é a nossa condição espiritual. Em contraste com as declarações do Papa Francisco, Romanos 3 afirma que “todos pecaram, e estão destituídos da glória de Deus” (Rm.3:23), logo, “todo o mundo é condenável diante de Deus” (Rm.3:19) e “o salário do pecado é a morte” (Rm.6:23)
A doutrina da salvação universal é apoiada em alguns textos como 1 Timóteo 2, ou João 3:16 onde lemos:
“Deus nosso Salvador, que quer que todos os homens se salvem, e venham ao conhecimento da verdade. Porque há um só Deus, e um só Mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo homem. O qual se deu a si mesmo em preço de redenção por todos, para servir de testemunho a seu tempo.” (1 Timóteo 2:3-6)
“Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu filho unigénito para que todo aquele que nele crê não pereça mas tenha a vida eterna.” (Jo.3:16)
Apesar desses texto, entre outros, aparentemente apontarem para uma salvação de todos os homens, uma leitura mais atenta logo nos aponta noutra direcção. Em Timóteo lemos que a salvação não é independente do conhecimento da verdade, nem da mediação de Jesus Cristo. E, em João, a vida eterna é dada a todos os que crêem.
“Porque Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para que condenasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele. Quem crê nele não é condenado; mas quem não crê já está condenado, porquanto não crê no nome do unigênito Filho de Deus. E a condenação é esta: Que a luz veio ao mundo, e os homens amaram mais as trevas do que a luz, porque as suas obras eram más.” (João 3:17-19)
É o próprio Jesus que garante a condenação daquele que não crê. E, notemos que a razão fundamental para a falta de fé, é que as nossas obras (segundo a nossa natureza) são más. Fica claro, portanto que, não há salvação fora de Cristo, não há justificação sem fé, nem boas obras sem conhecimento da verdade. Por isso, Jesus ensinou que “aquele que não nascer de novo” não pode ver, quanto mais entrar no Reino de Deus. (Jo.3:3,5)
O novo nascimento (Jo.3:3,5), a nova criação (2Cor.5:17), a regeneração (Tt.3:4-7) são dom de Deus (Rm.6:23), operados pelo poder e vontade de Deus, em todo aquele que crê (Jo.1:12,13). A justificação é para o que crê. (Rm.5:1) O perdão de pecados para o arrependido e contrito. (Sl.51:17; Sl.34:18; At.11:18; Rm.2:4) A reconciliação para o que confessa que Jesus Cristo é o Senhor. (Rm.10:9-13)
Neste tempos conturbados e confusos importa levantar de novo o clamor da Reforma.
Sola fide. Sola Scriptura. Solus Christus. Sola gratia. Soli Deo gloria.